domingo, 25 de outubro de 2009

retrato

Para Ana era muito difícil compreender sua mãe. Ressentimentos e mágoas muito difíceis de superar. Desde que se lembrava por gente a mãe estava sempre a criticá-la. Por mais que se esforçasse em agradar nunca era o bastante. Se tirasse 9 em física, matéria que detestava, lá vinha ela dizendo que precisava estudar mais; porque não tirava 10?

É surpreendente como esse sentimento de pouca valia a acompanhava, mesmo já quase completando 40 anos, sendo uma ótima profissional, cuidando amorosamente de sua pequena família, marido e filho ainda com 5 aninhos.

Bonita, elegante, inteligente, repleta de amigos. Porém estava constantemente insatisfeita e isso tinha muito a ver com a necessidade de receber dessa mãe a aprovação e o amor que esperava de uma mãe.

Tivera sido adotada, ainda recém nascida. Soube que sua mãe biológica havia sido abandonada pelo marido com 9 filhos e grávida. Não tinha condições de cria-la.

Foi seu pai que soube, no hospital em que trabalhava, que uma parturiente desejava colocar a filhinha para adoção. Buscou a esposa que estava visitando a família no interior para que visse a criança. Quando retornaram a mãe havia tido alta com o bebe e tudo que sabiam era o pequeno lugarejo onde estaria hospedada na casa de uma irmã.

Foram até lá, percorrendo de carro, bem devagar até que avistaram uma casinha onde havia fraldas de pano penduradas no varal. A mãe, que estivera com a filhinha em seus braços por 3 dias, quase desistira pois o amor materno florescera. Pela insistência da irmã e pela maneira amorosa com que aquele pai segurava seu bebe, decidiu que o melhor para sua filha era entrega-la.

Ana sempre recebeu do pai todo o amor e cuidados que necessitava até sua morte alguns anos atrás. Para ela uma suspeita teimava em acariciar seu coração. A de que ele fosse na verdade, seu pai biológico. Todos diziam o quanto ela se parecia com ele e talvez isso explicasse as atitudes de sua mãe para com ela.

Seu esforço hoje, adulta, é o de aceitar sua mãe como ela é. A maneira pela qual ela a ama não é a que Ana imagina e deseja receber de uma mãe. Mas é a forma com que ela consegue amá-la. Existe uma enorme diferença entre ter e não dar e simplesmente não ter para dar.

Claro que as mágoas deixaram marcas em seu mundo interno incapazes de desaparecer. Mas Ana pode aprender a deixar cicatrizar e entender que agora ela possui recursos para se perceber em sua imensurável riqueza.

2 comentários:

Solange Maia disse...

Texto bem sensível Carla...

Ana pode descobrir também que há outros afetos para abastecê-la... e o principal, ela tem a chance de não repetir essa história...

Enfim, é duro mesmo... eu sei.

beijo

Nath disse...

"Existe uma enorme diferença entre ter e não dar e simplesmente não ter para dar". Como é difícil entender isso, não?
Mãe, estou orgulhosa de te ver se aventurando mais na escrita, transformando suas próprias experiências em lindos registros textuais. Beijão

"Coração mistura amores. Tudo cabe."