segunda-feira, 30 de novembro de 2009

leveza


"O que me admira, eu que estou no outono da minha vida:

a gente esquece tanta noite de tristeza

mas jamais uma manhã de ternura."


domingo, 29 de novembro de 2009

quando somos pais dos pais


Envelhecer.
O corpo e a mente lentamente evoluem num processo decrescente, e por mais que o espírito mantenha-se ativo e jovem, sente-se o peso das coisas em que o corpo já não responde mais como antes.
Os cabelos ficam brancos, a pele perde o viço , os músculos perdem força e rigidez.
Perdas. Naturais mas dolorosas.
Existe grande diferença entre dor e sofrimento.
Não podemos fugir da dor mas o sofrer depende da nossa escolha.
Há ganhos. Experiência, sabedoria, tolerância, acompanhar a história de filhos e netos, vibrar com suas conquistas e ofertar colo e orientação nas horas difíceis.
Agora invertem-se os papéis.
É chegada a hora em que os filhos tornam-se pais dos pais.
E será preciso muito afeto, compreensão e paciência
para lidar o melhor possível com essa nova fase.
Aos filhos, a dedicação e tolerância para com as dificuldades da idade, a lentidão, as idas frequentes aos médicos, o entendimento de que será necessário retribuir amorosamente tudo aquilo que receberam quando bebês e crianças, em termos de tempo, esforço e paciencia.
Aos pais a compreensão de que os filhos lutam as lutas diárias, de trabalho e sobrevivencia, de cuidados e preocupações com seus filhos.
E, ao casal que teve seu casamento salvo dos desgastes de décadas, a força e o amor que possibilitem compartilhar das dores, dos medos, das perdas.
A mansidão de alma a tornar a vida mais leve.

Inevitavelmente a vida trará momentos de extrema dor, que vai demandar uma capacidade maior de enfrentamento e superação.
Enquanto esse momento não chega, a gente precisa aprender a viver com alegria, com prazer, privilegiando os espaços em que os afetos possam ser vivenciados, o trabalho possa trazer a gratificação de se saber útil e as oportunidades de realizar sonhos possam ser agarradas com fé.

...

Conheci uma grande mulher de nome Branca, que adotei como vó durante muitos anos. Durante 15 anos ela cuidou de seu marido, um homem do bem, médico querido e respeitado, que sofreu um AVC, aprisionando-o à cama, dependente de todos os cuidados. Nunca a vi queixar-se, pelo contrário era de uma alegria contagiante e uma disposição para a vida que muitos jovens nunca possuíram. Ela foi um grande exemplo pra mim e sei que deve estar divertindo-se muito lá no céu. Pra sorte dos anjos...

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

um teto feito de amor


Despojar-se do conforto de uma cama macia, de um banho básico , de ter a segurança de um chão, quatro paredes e um teto para o abrigo noturno. Mais que isso, despir-se da sua pele para expor-se inteiramente à vivência de outra realidade, aquela sempre vista de longe, colocada sempre distante dos olhos e do coração. Essa foi a corajosa experiência pela qual minha filha, jornalista, teve marcada na alma, dessas que nos deixam cicatrizes. Ela poderia apenas ir até aquela comunidade e entrevistar as pessoas. E tenho certeza que faria uma rica matéria, como é de sua natureza. Mas era pouco. Ela queria aprofundar o olhar, queria sentir na pele como vivem essas pessoas em condições tão miseráveis, tão desumanas. Um barraco, construído sobre um córrego, feito de pedaços de papelão e madeirite, sem esgoto, sem água, sem banheiro, apenas um minúsculo sofá, e uma cama dividida entre 4 ou 5 pessoas. Pediu para dormir ali, e sob o olhar incrédulo da dona, prometeu que não roncava. Sensível e delicada com os sentimentos do outro, essa é minha filha. Passou lá 3 dias, a primeira noite no barraco, ajudou na derrubada e construção de uma nova casa, agora de madeira, com piso e telhas, infelizmente sem saneamento, que depende do poder público. Esse é o trabalho da Ong Um Teto para o Meu País ,onde participam jovens universitários que arregaçam as mangas para ajudar a construir um teto para quem vive sem condições minimamente humanas de moradia. De toda essa enriquecedora experiência ela vai escrever uma matéria, cujo olhar será capaz de emocionar e sensibilizar até os mais frios e indiferentes.
Esse é o seu talento.
Esse é meu orgulho. Entre tantos...

Para conhecer o trabalho da Ong :http://www.youtube.com/canalTeto

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

na dúvida, faça



Na dúvida, faça.
O risco faz parte.
A graça está
em tentar,
em vez de sentar e assistir;
o mundo está
em esticar-se todo para atingir;
o mundo está
no desafio da interrogação.
E porque não?
Entre na festa,
arranque a capa,
morda a maçã.
Desate o cinto
para voar livre pelo amanhã,
ainda que ele seja um labirinto.
deixe o ID rolar
Nesta arte viva de arriscar,
cônscio e devoto.
Pois que viver
não é entrar no mar onde dá pé,
mas mergulhar com fé no maremoto.

(Flora Figueiredo)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

como saber?


Ternura.
Sintoma de um coração saudável, pulsante,
vibrando afeto, bombeando amor pelas veias da minha alma.
Esse sempre foi uma espécie de termômetro
a me fazer diagnosticar sentimentos
que talvez o tempo ou a mágoa houvesse congelado.
Quando subitamente,
ao olhar a pessoa amada ou lembrar de uma cena vivida,
sentisse um aquecer no meu peito,
como se meu coração fosse abraçado por mãos amorosas,
sabia que o amor ainda estava ali,
apesar de tudo.
A isso chamo ternura,
palavra que mais se apropria desse sentir.

domingo, 22 de novembro de 2009

saudades de sua voz

Odele e Flávia em foto de Marcelo Ming e reportagem de Eliane Brum - revista Época

Já disse aqui uma vez que o que me encanta nessa vida é a pessoa humana. E eis aqui mais um exemplo, mais uma razão pra me apaixonar pela imensurável capacidade de amor e superação de que algumas corajosas pessoas são dignas.
Odele é mãe de Flávia, em coma à 12 anos, após ter seu cabelo sugado pelo ralo de uma piscina. Eliane Brum é a sensível jornalista que nos revela, com a humana delicadeza de sua escrita, essa história de uma dor sem fim, unicamente sustentada pelo fio do amor. Tecido pacientemente por Odele, a formar a rede que sustenta e embala a vida de Flávia. E talvez, quem sabe, alguns muitos de nós, possamos tecer a rede de afeto capaz de abraçar essa mãe e acolher amorosamente um tiquinho da sua dor.
Odele tem um blog: "flaviavivendoemcoma.blogspot.com". Segundo suas palavras: "O que eu faço com essa dor? " "O blog é como uma janela que se abriu. E me arrancou da solidão. Escrever é uma forma de falar de amor e exorcizar a dor. A palavra tem esse poder. "
Talvez voce pense que não tem o que dizer, ou que nada adiantará dizer ao menos: "estou aqui, enxergo voce, escuto a sua dor e mais que isso escuto a voz do seu amor."
Talvez voce não saiba mas eu sei. E farei sempre, qualquer pequenina coisa, gesto, palavra que expresse amor, que signifique Eu me importo.



sábado, 21 de novembro de 2009

amor desejado

Um amor pra amar, pra sonhar, pra suspirar... um amor pra fazer os olhos brilharem e a pele mais viçosa, pra provocar taquicardia e tirar a fome, pra descobrir uma nova paz. Não pra sempre, mas real, a despertar a intensa mulher adormecida. Que faça cócegas na alma e toque fogo no corpo, incendiando a existência no mais doce prazer. Falar bobagens no meio da noite, onde no abraço as risadas brotam mais espontâneas. Acariciar com ternura a face, os olhos, lábios e coração. Fascinante encontro. Sede de bem querer, das águas cristalinas do desejo. Transbordamento de carícias.

Amor.Meu e seu. Nosso.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

querido divã

Estamos juntas a 7 anos. Uma parceria enriquecedora, dessas que não tem preço.

Minha analista e eu. Deitada naquele divã reconstruí meu mundo interno, coloquei ordem no caos dos meus quadros mentais.

Cheguei até ela despedaçada, repartida em tantos cacos que não fazia a menor idéia de como poderia ser novamente, se é que algum dia fui, inteira.

Fragilidade, medo e insegurança eram naquele instante donos de mim.

E no decorrer destes anos, entre idas e vindas, entre subir 3 degraus e descer 2, fomos tecendo juntas uma colcha de retalhos que surpreendentemente, pra mim, tornou-se muito mais bonita do que era antes.

Neste alinhavar, além da delicada competência da costureira, seus dedos teciam com amor. Esse amor, que senti sempre de forma tão palpável, tão real , me segurou e sustentou quando tudo o mais era abismo e solidão.

Pacientemente. Docemente. Firmemente.

Com ela aprendi a pensar por mim, a acreditar nas minhas percepções, a confiar no meu potencial, a investir no meu ofício, a me espelhar no seu modelo de analista sensível e amorosa. Aprendi a crescer. A existir.

Há muito ainda por fazer, porque nesse processo me apaixono pelo exercício da análise e do quanto ganhamos de vida. Porque a vida vivida assim na intensidade do pensar e do sentir é encantadoramente melhor.

À você minha analista, minha admiração, minha gratidão ... e o meu doce amor.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

a voce minha amiga


Amizade. Preciosidade a enriquecer minha vida.

Tenho a sorte de ter algumas "melhores amigas",

aquelas que aconteça o que acontecer, estarão sempre ali,

de braços abertos para o colo necessário nos momentos de dor

e para o aplauso entusiasmado pelas minhas conquistas.

Amigas tão amorosas e leais,

capazes de compreender meus momentos de isolamento e solidão,

como espaço igualmente necessário do meu viver.

Amigas generosas, desmedidamente disponíveis para meus gritos de socorro.

Ouvido atento a minha fala desabalada pela dor ou pela euforia.

Palavras sábias a despertar minha lucidez.

Memória fiel da minha história a lembrar das lições arduamente aprendidas.

Incentivo a instigar coragem no furacão da fragilidade.

Olhar perspicaz a enxergar o melhor de que sou capaz.

E a mostrar-me isso do modo mais gentilmente firme.

Nada do que eu possa dizer ou fazer no decorrer da minha vida

será o bastante para agradecer por tanto...

Resta apenas que saibam do meu imensurável amor.

leve

Hoje sinto-me leve e feliz. Desses momentos serenos em que as coisas mais simples e cotidianas ganham um colorido que as torna especial. Amanheci assim, alegre pelo dia de sol, pelo carinho das filhinhas da minha mãe (duas shinauzers carentes pela ausencia da máe, hóspedes temporárias em minha casa) , pelo trabalho que me proporciona tantas coisas, pelo amor das minhas filhas, na expectativa de reve-las e matar a saudade, pela euforia apaixonada da minha belinha (minha cocker loira) hóspede temporária das minhas filhas rs, pelo passeio de fim de tarde em que a bel desfila a provocar todos os cachorros do parque rs. Coisas assim são capazes de me fazer grata pelo dom de estar viva, de estar cercada de todo amor que desejo... A isso chamo plenitude, viver inteiramente o momento presente.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

academia para a alma

Sou dessas pessoas que segue a vida acreditando, até mesmo nos momentos de escuridão. Uma fé que nem sei de onde vem, mas que me sustenta sempre que perco o chão. E não foram poucas as vezes em que estive perdida de mim mesma, naquele labirinto insano em que a vida sabiamente nos coloca. De que outro modo poderia sair da mesmice, do conforto das coisas vividas ? Como iria em busca de outros caminhos se não mudasse o olhar, se não o deslocasse para o alto e para além da estrada percorrida? É dessa amplidão que descubro o aprendizado possível através de cada dor, de cada desencontro, cada lágrima e até de toda decepção que parecia dilacerar minha alma. Ao contrário, tudo isso fortaleceu o que em mim era mais frágil, mais carente de exercício, músculo flácido e inerte. Academia para a alma...exercitar viver.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

tempo amigo

Todas as coisas tem seu tempo, e quase sempre não conseguimos entender isso. Queremos que o tempo seja o nosso, enquadrando-o no espaço das nossas aflições e ansiedades. Atropelando tempo atropelamos vida. Violentamos sonhos que poderiam ter sido reais, não fosse a nossa destemperança.
Tempo é aliado não inimigo. É ele que permite a maturação, o desabrochar da verdade.
Porque ao tempo a verdade se rende, se revela, seja qual for a sua cor ou suas vestes. À ele a verdade se desnuda, se entrega irremediavelmente...
As mentiras contadas ao outro e à nossa consciencia não vencem à prova do tempo. Os enganos com os quais nos deixamos iludir são frágeis cristais que os bons ventos temporais fazem derrubar.
Subverter as demandas do tempo é torná-lo sagaz inimigo a devorar vida, sonhos e esperanças.
Este talvez não seja o momento de provar os melhores vinhos, mas de saber como se prepara o solo para colher as melhores e mais saborosas uvas.

sábado, 14 de novembro de 2009

simplesmente amar

"Todo amor que houver nessa vida."
porque vida sem amor não é vida
e quanto mais amor colocamos
nos nossos gestos, nas palavras
na atitude, no sorriso, no olhar
mais a vida se reveste de significado
no encanto que somente quem ama
sabe a plenitude...

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

marina morena

Marina
doce, meiga, linda, inteligente, elegante, delicada, amorosa
tantas qualidades a nos encantar
te vi bebê, te vi menina
agora 15 anos
no desabrochar como mulher
cheia de dengo e personalidade
quero te dizer do meu afeto
e da minha certeza
de que voce terá uma vida
plena de alegrias
comemore muito
esse momento inesquecível

estar ao seu lado é tudo que eu poderia desejar
e que os anjos tão amorosamente
me concederam...

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

doce abraço


Anseio

pelos momentos de alegria

e renovada paixão

De estar de novo

e pela primeira vez

ao lado de amores

próximos da alma

mas longes do abraço

Laços de amor

que o tempo

e a distância

nunca foram capazes

de romper

Realimentar e nutrir

os vínculos

A nominar família

Esse espaço que

a tudo acolhe

Tempestades ou dias ensolarados

Sempre porto

a segurar

a cuidar

a amar...

Sempre bússola

a nos guiar

pelas rotas do bem

Aventurar-se

pelos mares do desconhecido

e ter um lar

para retornar

para refazer forças

e instigar coragem

Reencontrar

e docemente amar...

Nesse esperado abraço

que os anjos

finalmente tornaram possível.

domingo, 8 de novembro de 2009

cesura

"O que vejo de mais claro em minha vida é uma cesura que faz com que haja dois momentos quase completamente separados até o ponto em que, estando no segundo, não me reconheço muito bem no primeiro." Jean Paul Sartre

Esta frase me fez pensar. É engraçado como a vida de repente, ou talvez nem tão de repente quanto pensamos, nos apresenta uma bifurcação, e dois caminhos , dois destinos exigem escolha. Um nos manterá seguros, basta continuar sendo e fazendo exatamente como até ali. Outro é incerto, misterioso, e precisaremos efetuar mudanças no nosso modo de lidar com a vida. Ou, quem sabe, essa bifurcação só teve a oportunidade de surgir porque mudanças internas foram se sedimentando ao longo do tempo. E então, tudo que restava era saber se haveria coragem bastante para dar aquela guinada, em busca de um novo destino. O divisor de águas é a própria coragem.

Ao se reconhecer capaz de trilhar seu próprio caminho, um universo inteiro se desvenda internamente. E não nos reconhecemos mais naquela pessoa de antes, quase como se a gente se achasse um fusquinha 68 tentando subir a serra e na verdade fossemos uma ferrari. Havia muito mais força e potencia no nosso motor, que desconhecíamos. Mas como tudo tem mesmo uma razão de ser, “o eterno aprendizado é o próprio fim”.

sábado, 7 de novembro de 2009

luva de pelica

Sei que já saiu de moda, afinal bombou no youtube e noticiário mundo afora, mas por acaso a reencontrei.

Susan Boyle, 48 anos, simples, desajeitada, aparência comum sem vaidades. Todos nós que estivéssemos naquela platéia teríamos reagido daquela forma; entre o sorriso cínico e debochado e a piedade solidária. Coitada, veio se expor ao ridículo...Imagina só se alguém com esse esteriótipo vai ter qualquer chance nesse palco.

E eis que ela solta a voz. E emudece o planeta.

Ela é o maior tapa com luva de pelica que já conheci, e doeu na alma. Nos coloca de volta à nossa pequenez, nos esfrega explicitamente sem dó nem piedade o tamanho do nosso preconceito.

E depois de tudo isso nos acalenta com a sua história e com a esperança de sonhar, apesar de tudo.

Ainda que ela venha a ser apenas um meteoro que ao atravessar o céu, fascina e encanta, sua passagem pelo planeta nos fez olhar no espelho sem maquiagem ou máscaras.

silencio


De repente não soube o que fazer com minhas palavras gastas e cansadas
e é por isso que hoje te oferto o meu silêncio.
Silêncio que, vazio de ruídos, se faz pleno de sentidos.
Silêncio que, ao prescindir de rótulos, se reveste de experimentações e descobertas.
Silêncio para ser preenchido com a trilha sonora de que somos feitos.
Silêncio que permite o canto e o uivar do vento que varre caminhos
e espalha sementes de sorrisos e olhares nunca vãos.
(Gisele Maia)

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

bichano

amar um bicho
só sabe quem amou
o bem imenso que nos faz
a alegria com a nossa chegada
o carinho a nos confortar quando choramos
a fidelidade mais leal que se pode ter
o aprendizado que ganhamos em cuidar dessa vida
a ternura com que nos olha
com que roça nossa pele
com que se aconchega grudadinho na gente
também aprendemos sobre perda
porque suas vidas em geral são mais curtas que a nossa
e embora a dor dilacere nos fazendo dizer:
nunca mais quero nenhum bicho!
descobrimos, quando cicatriza,
que a sua vida ao nosso lado valeu muito mais
e que teríamos cuidado e amado
tudo de novo
e nos apaixonamos novamente
acolhendo um novo bicho
na nossa casa
no nosso coração

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

ai que inveja...

Beleza, inteligência, elegância, delicadeza, riqueza, sorte, berço... entre outras qualidades ou atributos.

Capazes de despertar admiração. E inveja.

Ai de quem possuir algum deles, muito menos todos juntos.

Que atrevimento que uns tenham tanto e outros nenhum. Não suporto tudo isso, quero destruir, desqualificar, maldizer e caluniar quem tenha aquilo que tanto desejo mas não sou capaz de conseguir.

É mais ou menos desse jeito que funciona a inveja, causadora de danos muitas vezes irreparáveis. Mas não jogue a primeira pedra, todos nós somos em algum grau invejosos. (tomara que o menor grau possível!)

Geralmente as pessoas que tem essa característica em doses excessivas são pesadas, amargas. Tem no olhar uma energia tão negativa que é quase palpável.

Tanto na minha experiência clínica quanto na vida tive conhecimento de verdadeiros tsunames causados pela inveja. Com efeitos avassaladores que custaram um enorme preço emocional para reparar.

Não somos donos dos nossos sentimentos, não é tão simples não sentir inveja em algum momento. Mas somos donos sim dos nossos atos.

Essa escolha é da nossa responsabilidade. Quanto maior for a capacidade de ter consciência sobre o que sentimos, maiores também serão as condições para que possamos lidar com isso sem atuar, sem causar algum mal ao outro.

E a nós mesmos.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

morrer

Falar de morte ou do morrer é para a grande maioria das pessoas tão angustiante e tão pavoroso que preferem viver tentando esconder a finitude da vida debaixo do tapete. Afastamos ao máximo essa idéia, criamos hospitais para que funcionem como o tapete, escondendo de nós o que se passa da dor, do medo, da angústia de chegar ao fim. Quando alguém que amamos se encontra neste doloroso processo da chamada doença terminal, ao invés de acolher, negamos a ele o direito de expressar aquilo que sente. Afastamos o mais rapidamente possível qualquer conversa que ameace tomar esse caminho, sob o falso otimismo declaramos que ele ficará bom logo e classificamos como morbidez ou depressão qualquer tentativa de falar da morte, sem sequer nos darmos conta de que na verdade ele fala de vida. Cada vez mais a ciência descobre que o melhor que se pode fazer a uma pessoa em um quadro terminal, é leva-la para casa, para estar próxima dos seus amores e amigos, no seu canto confortável e familiar. Permitir que se possa escutar a sua verdadeira voz, sem a onipotência de achar que tem que ter as respostas, a solução, a cura. Constatar a humana impotência diante da morte abre o espaço necessário à intimidade que nos aproxima na dor. Muito mais confortador é dar continência , é segurar , é oferecer e partilhar colo num abraço amoroso que nenhuma anestesia ou morfina será capaz de substituir. Faça um pequeno exercício mental, coloque-se por alguns instantes nessa condição, no lugar do outro, empatize. E mesmo angustiado por essa idéia, tolere o mal estar. E pense como gostaria de viver seus últimos dias, mesmo limitado ao leito. Aonde estaria, que pessoas estariam ao seu lado. E sobretudo o que gostaria de poder falar, escutar ou mesmo silenciar em paz, sem aquele peso das coisas não ditas por medo. Compreenda que não há nada de errado em chorar junto, em sentir-se triste. A vida nos pede coragem e isso nada tem a ver com endurecer. A coragem vem de entrar em contato com a verdade, seja ela qual for, e nos permitir todos os sentimentos e emoções que ela nos suscita.

Ao perceber a proximidade do fim da sua vida, Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, escreveu em sua autobiografia: “Meu Deus, faz com que eu viva o momento de minha morte.”

retrato

Entrei na UTI naquela manhã atendendo à solicitação de um médico. Um paciente, que chamarei aqui de João, 28 anos, sem parentes próximos, necessitava de atendimento psicológico. Natural de Ipatinga, Minas Gerais, estava trabalhando para uma empreiteira local em uma indústria paulista. Morava a 4 meses em um alojamento e tentava juntar algum dinheiro para mandar aos pais, já idosos. Num belo domingo de sol alguns colegas do serviço o convidaram para ir à uma pequena cachoeira para se divertir e refrescar. Imitando tantos outros, subiu em uma pedra e pulou, fazendo uma pirueta no ar. Lesionou a coluna cervical, sofreu afogamento até que o resgatassem da água. Havia voltado à consciência na véspera, depois de 10 dias em coma. Atendi o João ficando sempre muito próxima para conseguir ouvi-lo, apenas conseguia sussurar. Durante 4 dias estive com ele, continente à sua dor e angústia. Seu quadro era muito grave. Não recebia visitas, apenas um de seus colegas veio dar um alô. Toda sua família era de Minas, sem condições financeiras para vir. Muitas vezes segurei a sua mão, nos momentos em que chorava e confessava seu medo diante de tudo aquilo. Sempre que contava sobre sua terra, esboçava um sorriso. No quarto dia, logo ao chegar, ele sorriu e disse que havia tido um sonho muito bom, que para ele parecia real. Sonhara que havia estado na casa de seus pais.Encontrou sua mãe na cozinha preparando o almoço e seu pai cuidando da roça. Percorreu toda a casa, abraçou seus pais, sem que eles percebessem e acordou sentindo-se mais leve.Havia uma grande riqueza de detalhes que serei incapaz de reproduzir Eu disse a ele, que acreditasse no seu sonho, que talvez de algum modo ele realmente tenha estado ali. Falamos em despedida, e embora uma lágrima tenha rolado em sua face, era visível a sua surpreendente serenidade. Fez um pequeno balanço de sua vida. Ao sair, e já estava na porta, ele me chamou. Voltei para o leito, ele pegou na minha mão, sorriu e disse: obrigado. Eu sabia que ele despedia-se também de mim, que havia sido sua família na frieza daquela UTI. Sorri e as únicas palavras necessárias foram: fique em paz.

Ao retornar na manhã seguinte, como eu já imaginava, soube que ele tinha morrido durante a noite, serenamente.



"Coração mistura amores. Tudo cabe."