sexta-feira, 28 de março de 2014

domingo, 23 de maio de 2010

Alegria ( Fernanda de Castro )

De passadas tristezas, desenganos
amarguras colhidas em trinta anos,
de velhas ilusões,
de pequenas traições
que achei no meu caminho...,
de cada injusto mal, de cada espinho
que me deixou no peito a nódoa escura

duma nova amargura...
De cada crueldade
que pôs de luto a minha mocidade...
De cada injusta pena
que um dia envenenou e ainda envenena
a minha alma que foi tranquila e forte...
De cada morte
que anda a viver comigo, a minha vida,
de cada cicatriz,
eu fiz
nem tristeza, nem dor, nem nostalgia
mas heróica alegria.

Alegria sem causa, alegria animal
que nenhum mal
pode vencer.
Doido prazer
de respirar!
Volúpia de encontrar
a terra honesta sob os pés descalços.

Prazer de abandonar os gestos falsos,
prazer de regressar,
de respirar
honestamente e sem caprichos,
como as ervas e os bichos.
Alegria voluptuosa de trincar
frutos e de cheirar rosas.

Alegria brutal e primitiva
de estar viva,
feliz ou infeliz
mas bem presa à raíz.

Volúpia de sentir na minha mão,
a côdea do meu pão.
Volúpia de sentir-me ágil e forte
e de saber enfim que só a morte
é triste e sem remédio.
Prazer de renegar e de destruir o tédio,

Esse estranho cilício,
e de entregar-me à vida como a um vício.

Alegria!
Alegria!
Volúpia de sentir-me em cada dia
mais cansada, mais triste, mais dorida
mas cada vez mais agarrada à Vida!

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Ao maestro...lágrimas elevando a alma

Hoje eu chorei, como a muito não chorava...
Ando sensível, mais que o habitual
Assim, sem saber ao certo o porque
Mas ao ouvir o depoimento do grande maestro João Carlos Martins,
falando de suas sucessivas superações na paixão pela música,
embora não tenha sido a primeira vez que ouvi
sua emocionante história,
tocou a minha alma de algum modo,
como nunca antes...
De que material é feita essa grandeza?
De que fonte inesgotável se alimenta essa coragem?
Não me ilude ou engana qualquer idealização que se faça
de um semi herói, inabalável em sua confiante fortaleza.
Não, ele não é um Deus ou herói. Ele é um homem.
Como eu e voce. Tem medo, pavor, incerteza, insegurança.
Sente vontade de descer do trem, muitas vezes. De desistir.
Mas não o faz. Segue. Ainda mais forte, apesar da fragilidade.
Cada um de nós tem seus recursos, seu próprio repertório.
Não dá pra comparar ou exigir que as reações diante
das pedras no caminho sejam iguais ao do outro.
Mas podemos nos espelhar.
Se ele é capaz, com maior esforço talvez eu também possa ser.
Afinal somos humanos.
Os degraus que separam
nossa evolução necessitam mais que tudo,
do nosso ímpeto em subir...

sábado, 24 de abril de 2010

Lembranças

As lembranças das quais me recordo são absurdamente pequenas em número, considerando os tantos anos já vividos. Desconfio que deve existir uma falha qualquer nos neurônios que compõem minha memória e muitas vezes fico receosa que aquela doença tão sofrida, a que apelidaram “o alemão”, como se ironizando a tornasse menos assustadora, venha a me alcançar algum dia.

Outras tantas vezes imagino que talvez a minha mente só permita o acesso às coisas realmente importantes da minha vida, cuja intensidade da emoção, quase sempre agradável, criou uma marca indelevelmente doce em minha alma. Posssivelmente, seja exigente e seletiva, pois no que se refere ao exercício do meu trabalho, ela tantas vezes me surpreenda, e aos meus pacientes, com riqueza de detalhes, mesmo tendo passado meses ou até anos que tenha sido relatada.

Talvez porque a saudade esteja tão presente minha memória fez uma viagem de 23 anos. Era hora de almoço, e ao abaixar-me para servir a ração a minha cachorra, senti escorrer pelas pernas um líquido quente e volumoso. Havia estourado a bolsa, isso rapidamente eu entendi, embora fosse a minha primeira gravidez. Muito calmamente comuniquei a minha mãe, que por “coincidência” estava em casa. Ela apavorou-se e fui eu que de modo muito centrado e tranqüilo, fui tomando as providencias: avisar o médico, meu marido e meu pai, e chamar uma amiga da minha mãe para acalma-la. Fomos ao hospital e pouco depois o médico veio me examinar. Ainda vai demorar algumas horas, ele disse e saiu, avisando que a enfermeira o chamaria quando a dilatação estivesse “no ponto”.

As contrações foram surgindo e gradativamente aumentando. Eu apertava a mão do meu marido a cada início e fim, e ele ia registrando o tempo de duração e os intervalos entre elas. Até que a dor tornou-se imensa e senti claramente os pezinhos de minha filha empurrando as minhas costelas, num enorme esforço para nascer. Disse ao pai que chamasse a enfermeira pois estava nascendo, ao que ele tentou me acalmar dizendo que era assim mesmo e tínhamos que esperar. Virei leoa. Chama porque vai nascer agora. Eu sentia uma vontade instintivamente forte de fazer força. O médico chegou, olhou e disse: Já está nascendo! Foi uma correria pra me levar ao centro cirúrgico, e cinco minutos depois de chegar, e finalmente poder fazer a força que todo o meu ser exigia, ouvi o choro da chegada ao mundo da minha filha. Quando colocada sobre meu peito, falei: Nathalia, tá tudo bem, a mamãe está aqui. Ela parou de chorar e virou o rostinho em minha direção. Meus olhos encheram-se de lágrimas, exatamente como acontece agora.

A emoção é novamente revivida e ressignificada, 23 anos depois...Essa determinação de quem agarra a vida firmemente com as próprias mãos, é uma de suas qualidades que mais admiro.

A vida toda eu contei essa história e ela sempre dizia: já sei mãe, você já contou um milhão de vezes.

Ainda contarei outro milhão, porque esta é uma das minhas mais profundas e ternas lembranças. Carrega todo o sentimento, de um amor infinito e incondicional, e do reconhecimento de ser mãe pela primeira vez.

Esse amor materno teceu uma rede que embala e acalenta minha existência...


domingo, 18 de abril de 2010

As prioridades


QUAL É A pessoa que você trata melhor neste mundo? Não vale dizer assim, sem nem pensar -"meu pai, minha mãe, meus filhos".
Feche os olhos e faça uma reflexão profunda: quando você chega em casa e tem um monte de recados na máquina, para quem você liga primeiro? Para sua mãe, que está em ótima saúde, ou para aquela pessoa que ficou de dar a resposta sobre um projeto? Para seu pai, que joga vôlei todos os dias, ou para aquela mulher maravilhosa, seu sonho de consumo há anos? Bem, respondidas essas perguntas, vamos em frente.
É doloroso, mas é verdade: cada um de nós procura primeiro pelo que mais o está interessando naquele momento, e que pode até ser o pai ou a mãe -mas quase nunca é. A não ser, claro, quando esse pai ou essa mãe ficaram de responder a algum pedido, seja de que tipo for, para o filho querido. Mas se, no fundo do seu coração, você detectar que o telefonema é só para saber se você melhorou da gripe, pensando bem, dá perfeitamente para fingir que foi do trabalho direto para o cinema e ligar amanhã de manhã, não é mesmo?
E por que será que as mães têm a mania de saber da evolução da gripe de seus filhos?
Com filho é diferente. Não há pai ou mãe -mãe, sobretudo- no mundo que não interrompa a mais importante das reuniões de trabalho para atender a um telefonema do filho, e ainda está para nascer uma que tenha coragem de mandar dizer que naquele momento está ocupada. Aliás, é só saber que é ele que está chamando para dar um aperto no coração; será que está bem? Será que está precisando de alguma coisa? Será que caiu e quebrou a perna?
Não há uma só que consiga pensar que, se ele está telefonando, tão mal assim não pode estar.
Voltando aos recados: se for aquela pessoa bem famosa, que você conhece mas que não chega a ser um amigo, você liga correndo, não liga? E se for sua antiga babá, que te segurava no colo e contava histórias para você dormir?
Você adora ela, claro, mas depois de um dia tão duro -ah, dá para ligar amanhã, claro que dá.
Tem mais: você já reparou como são bem tratadas as pessoas com quem a intimidade é pouca?
É duro de admitir, mas costumamos tratar melhor as pessoas a quem conhecemos pouco, e mais: que nos dão pouca bola. E isso em todos os níveis, sobretudo quando se trata de amor. Por que a maior parte das pessoas ama tão apaixonadamente quem não aparece, quem trata meio mal, quem não ama direito?
Esses são absolutamente irresistíveis, enquanto daqueles que nos amam de paixão a gente pode até gostar, mas com uma mal disfarçada indiferença. Nada mais desestimulante do que ter certeza; aliás, certeza seja do que for, sobretudo do amor de um homem.
Nada deixa você mais viva, digamos assim, do que estar na corda bamba, sem saber o que vai ser do seu amanhã. Será que ele vem? Essa falta de segurança -exatamente a tal segurança que se busca em todos os momentos- é que move o mundo. É ela a responsável pelas academias de ginástica, pelos salões de cabeleireiro, pela indústria da moda, e mente quem diz que quer ficar bonita "para ela mesma". Pois sim.
As mulheres fazem tudo para ficarem desejáveis para um homem em particular ou para todos em geral, e se conseguem um dia ter certeza da estabilidade no amor, ai do outro.
Feliz ou infelizmente, as pessoas que mais nos amam são as que tratamos com mais displicência. Tratamos assim nossos pais, e assim nos tratam nossos filhos, pela certeza desse amor eterno e incondicional.
Não é justo que seja assim, mas desde quando a vida é justa?

Danuza Leão

equilíbrio


A inspiração para escrever conjuga diversos fatores. Disponibilidade interna é o maior deles. Claro que o tempo nos consome em meio as exigencias cotidianas mas também acaba sendo o bode expiatório com o qual nos isentamos da culpa. Curioso que ao me dedicar mais as leituras e a ter sobre elas um novo olhar, acabei bloqueando alguns canais de espontaneidade com que simplesmente me debruçava sobre o prazer da escrita. Um maior nível de exigencia comigo mesma, com a qualidade do texto, com a clareza da articulação de idéias e palavras.
Interessante. Algo semelhante acontece no processo de análise pessoal. Conforme pensamos mais e aprendemos mais sobre quem somos, tornando conscientes nossos mecanismos de defesa, nosso funcionamento mental, mais nos exigimos temendo cometer os velhos e repetidos equívocos. Perigoso que percamos a espontaneidade.
Equilíbrio é o caminho delicado entre amadurecer e permanecer fiel a pureza da criança que reside dentro de nós.
Sem perder a ternura...

terça-feira, 6 de abril de 2010

Renovando a rotina


Quando me vi sozinha em casa, assim, todos os dias, levei muito tempo pra me acostumar. Era absurdamente estranho, o silêncio, as coisas exatamente como as havia deixado pela manhã. Ninguém pra conversar, pra dar bronca, pra comentar o dia, pra catar as roupas jogadas sobre a cama, pra esquentar a janta e levar na bandeja pra receber o beijo de "brigada mãe"... Foi muito estranho. E triste. Pra mim solidão era um castigo, dos mais terríveis. Realmente não acreditava em quem dizia que vivia feliz assim, que curtia sua própria companhia. Pra mim, era balela, defesa contra a própria dor. Talvez em muitos casos seja mesmo. O fato é que o tempo foi passando, o medo cedendo lugar a descoberta, o prazer de experimentar o silencio foi invadindo por entre as frestas, a possibilidade de livremente escutar o meu desejo a cada momento. Quero ouvir música bem alto as onze da noite. Quero deixar a louça pra amanhã. Quero ficar horas deitada na rede mergulhada no livro. Quero ligar pra minha amiga e jogar conversa fora até cansar. Quero simplesmente contemplar o mar, balançando suave na rede, acarinhando minha mimada companheira leal. Quero pensar em mim. Na paz que conquistei e da qual não abro mão... Quero descobrir todo dia que a escolha é minha e de mais ninguém. E que certa ou errada, feliz ou infeliz, sou a única responsável.
Hoje, o estranho é me adaptar a outra rotina. A vida vai e volta e nela tudo tem um sentido, e o tempo certo. Tem a alegria da presença que enriquece, que me enche de afeto, mesmo que ela mergulhe na internet e ignore meus comentários... Mesmo que fique tudo, absolutamente tudo bagunçado, porque acreditem, ela consegue rs Mesmo que ela se encha de ciúme da sobrinha (leia-se Belinha) e brigue comigo por mimá-la tanto (como se não fizesse o mesmo com ela) Faço novamente o prato, enfeito a bandeja, levo cheia de carinho e recebo tudo que realmente importa: seu amor. Estamos juntas novamente, no cotidiano da vida, e ambas trilhamos nossos caminhos rotineiros neste intervalo de anos. Tanto quanto pra mim, sei que voltar a morar com a mãe também tem seu lado chato, porque eu sei ser um saco mesmo sem querer rs. Tem o meu jeito bem maternal de atender ao seu pedido, antes de dormir: colocá-la na cama, cobrir com o lençol, ser agarrada com um golpe de judô que me derruba para um gostoso abraço e beijo de boa noite... Tem ingredientes suficientemente bons nessa massa pra fazer um delicioso bolo.
Amo voce, Mari.

"Coração mistura amores. Tudo cabe."