sábado, 5 de setembro de 2009

Humana, demasiado humana


Lou Andreas-Salomé


Intelectual sedutora que viveu na passagem do século XIX para o século XX. Sua vida cercou-se de grandes nomes da cultura ocidental. Despertou paixão em Nietzsche, no poeta Ranier Maria Rilke, foi amiga e colaboradora de Freud. Deixou uma consistente obra de romancista, ensaísta e autora de teatro. Lou era uma mulher muito à frente de seu tempo. Ela e seus notáveis amigos pensavam o mundo, julgavam a história exercendo a inteligencia e o conhecimento voluptuosamente.
Segue alguns de seus escritos:

Hino à dor

Quem pois, dominado por ti, poderá te escapar,
Se sentiu teu grave olhar voltado para ele?
Eu não fugirei, se me apanhas
Jamais crerei que só fazes destruir!
Sei, tu deves visitar tudo o que vive sobre a terra,
Nada sobre a terra pode se subtrair ao teu domínio:
A vida sem ti - seria belo,
Entretanto- tu também, mereces ser vivida!
Claro,não és um espectro da noite
Vens lembrar tua força ao espírito:
É o combate que engrandece os maiores,
O combate como derradeiro alvo, por caminhos impraticáveis.
Por isso, se só podes me ofertar, ó dor,
Em lugar da felicidade e do prazer, a verdadeira grandeza,
Vem lutar comigo, num corpo-a-corpo,
Vem lutar comigo, na vida e na morte -
Mergulha no fundo do coração,
Mergulha no mais profundo da vida,
Leva para longe o sonho de felicidade e da ilusão
Leva para longe o que não merecia um infindo esforço.
Nunca triunfarás verdadeiramente sobre o homem autêntico
Mesmo que ele te oferecesse seu peito nu
Mesmo que se aniquilasse, desaparecesse na morte! -
És apenas um pedestal para a grandeza do espírito!

*****

Só aquele que permanece inteiramente ele próprio pode, com o passar do tempo, permanecer objeto do amor, porque só ele é capaz de simbolizar para o outro a vida, ser entendido como uma força vital. Por isso nada é mais inepto em amor que se adaptar um ao outro, se polir um contra o outro, e todo esse sistema de intermináveis concessões mútuas, feitas unicamente para os seres constrangidos, por razões puramente práticas e impessoais, a suportar sua vida em comum, atenuando o mais racionalmente possível este constrangimento. E quanto mais dois seres chegaram ao extremo do refinamento, tanto mais funesto se enxertar um sobre o outro, em nome do amor, se transformar um no parasita do outro, quando cada um deles deve se enraizar robustamente em seu solo particular, a fim de se tornar um mundo para o outro.

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Não posso conformar minha vida a modelos, nem jamais poderei constituir um modelo para quem quer que seja; mas é totalmente certo que dirigirei a minha vida segundo o que sou, aconteça o que acontecer. Fazendo isso, não defendo nenhum princípio, mas algo de bem mais maravilhoso - algo que está em nós, que queima com o fogo da vida.

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Ousa tudo, não tenhas necessidade de nada.

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Assim, para quem ama, o amor, por muito tempo e pela vida afora, é solidão, isolamento, cada vez mais intenso e profundo. O amor, antes de tudo, não é o que se chama entregar-se, confundir-se, unir-se a outra pessoa. (...) O amor é uma ocasião sublime para o indivíduo amadurecer, tornar-se algo por si mesmo, tornar-se um mundo para si, por causa de um outro ser: é uma grande e ilimitada exigência que se lhe faz, uma escolha e um chamado para longe.


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"Coração mistura amores. Tudo cabe."