As lembranças das quais me recordo são absurdamente pequenas em número, considerando os tantos anos já vividos. Desconfio que deve existir uma falha qualquer nos neurônios que compõem minha memória e muitas vezes fico receosa que aquela doença tão sofrida, a que apelidaram “o alemão”, como se ironizando a tornasse menos assustadora, venha a me alcançar algum dia.
Outras tantas vezes imagino que talvez a minha mente só permita o acesso às coisas realmente importantes da minha vida, cuja intensidade da emoção, quase sempre agradável, criou uma marca indelevelmente doce em minha alma. Posssivelmente, seja exigente e seletiva, pois no que se refere ao exercício do meu trabalho, ela tantas vezes me surpreenda, e aos meus pacientes, com riqueza de detalhes, mesmo tendo passado meses ou até anos que tenha sido relatada.
Talvez porque a saudade esteja tão presente minha memória fez uma viagem de 23 anos. Era hora de almoço, e ao abaixar-me para servir a ração a minha cachorra, senti escorrer pelas pernas um líquido quente e volumoso. Havia estourado a bolsa, isso rapidamente eu entendi, embora fosse a minha primeira gravidez. Muito calmamente comuniquei a minha mãe, que por “coincidência” estava
As contrações foram surgindo e gradativamente aumentando. Eu apertava a mão do meu marido a cada início e fim, e ele ia registrando o tempo de duração e os intervalos entre elas. Até que a dor tornou-se imensa e senti claramente os pezinhos de minha filha empurrando as minhas costelas, num enorme esforço para nascer. Disse ao pai que chamasse a enfermeira pois estava nascendo, ao que ele tentou me acalmar dizendo que era assim mesmo e tínhamos que esperar. Virei leoa. Chama porque vai nascer agora. Eu sentia uma vontade instintivamente forte de fazer força. O médico chegou, olhou e disse: Já está nascendo! Foi uma correria pra me levar ao centro cirúrgico, e cinco minutos depois de chegar, e finalmente poder fazer a força que todo o meu ser exigia, ouvi o choro da chegada ao mundo da minha filha. Quando colocada sobre meu peito, falei: Nathalia, tá tudo bem, a mamãe está aqui. Ela parou de chorar e virou o rostinho em minha direção. Meus olhos encheram-se de lágrimas, exatamente como acontece agora.
A emoção é novamente revivida e ressignificada, 23 anos depois...Essa determinação de quem agarra a vida firmemente com as próprias mãos, é uma de suas qualidades que mais admiro.
A vida toda eu contei essa história e ela sempre dizia: já sei mãe, você já contou um milhão de vezes.
Ainda contarei outro milhão, porque esta é uma das minhas mais profundas e ternas lembranças. Carrega todo o sentimento, de um amor infinito e incondicional, e do reconhecimento de ser mãe pela primeira vez.
Esse amor materno teceu uma rede que embala e acalenta minha existência...
3 comentários:
Que lindo tia!! essa história eu não conhecia.. emocionante.
bjos
Que lindo! Embora a frase seja clichê, é muito verdadeira: " Só sabe mesmo quem é mãe!"
Meus olhos também se enchem de lágrimas quando lembro da primeira vez que vi a Sofia!
Bjos
você é muito especial Carla...
saio daqui sempre abastecida de amor...
beijo
Postar um comentário